Olha, tem uma coisa que me irrita muito, mas muito, muito mesmo, quase a ponto de me exasperar, e acho que irrita todo mundo que trabalha ou quer trabalhar com literatura de uma forma ou de outra, que é o seguinte: o amadorismo das editoras brasileiras ― ou melhor, o amadorismo, a precariedade, a pequenez, a malandragem, a picaretagem, a falta de profissionalismo, o descaso com seus próprios livros e autores, a não transparência, a quase inexistência do marketing, etc., etc., etc. ―, é como se, ao lançarmos nossos livros, estivéssemos todos em um eterno programa da Xuxa: as paquitas jogam as cartas pra cima e todo mundo reza para a sua cair bem na mão da rainha dos baixinhos.
Aliás, segura esse dado: existem, segundo o Sindicato Nacional de Editores de Livros, cerca de 740 editoras no Brasil hoje (sim, setecentos e quarenta), e qualquer pessoa mais atenta percebe logo que a maioria é formada por apenas dois sócios, geralmente casados. Muitas editoras sequer têm contatos com as livrarias, servem apenas para inscrever títulos no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e ganhar uma graninha do governo. Dá para dizer, sem medo nenhum de errar, que a esmagadora maioria dessas 740 editoras, é uma empresa completamente amadora.
Claro, claro, existem as honrosas exceções. Mas, mesmo nas grandes editoras, vemos, em algum nível, certos indícios de desorganização. Querem exemplos? Eles se acumulam. Alguns amigos e amigas, por exemplo, nunca ― jamais ― receberam um relatório de venda dos seus livros. Outros recebem os relatórios, mas o dinheiro, quando chega, só chega meses depois. É normal uma editora cobrar “coparticipação” para a publicação de um livro, mas só começar a pagar depois que todo seu dinheiro for recuperado. Tem editora que vende o livro e não entrega, ou entrega com semanas de atraso. Algumas editoras, por outro lado, mandam livros repetidos para os influenciadores, simplesmente porque cada departamento enviou um e ninguém se comunica lá dentro. Os releases para imprensa também são muito mal escritos, e às vezes imprestáveis (até porque algumas editoras não têm nem dinheiro para contratar uma assessoria). A comunicação em redes sociais é outra tragédia. As tiragens são minúsculas. Muita gente publica sem sequer assinar um contrato, sempre na base do “pô, você não vai confiar em mim?”. E nem vou falar na remuneração1 do autor, que é de 10% do preço de capa, ou do líquido que entra na editora, e se paga a cada seis meses…
E isso nem é o pior. O pior é ver, por todos os lados, uma cultura de servidão: no fundo, no fundo, você não é visto como um trabalhador, você é visto como um mal necessário, e a editora, a tão esforçada editora, a tão abnegada editora, está apenas te prestando um gigantesco favor. Afinal, publicar um livro é um sonho, uma vocação, um salto de fé! E, se é um sonho, uma vocação, um salto de fé, quem é que precisa de respeito? Profissionalismo? Remuneração justa? Comunicação? Relatório de vendas? Ih, não dá nem para reclamar, porque você pode ficar malvisto dentro do mercado, tão pequeno e tão competitivo.
Somos todos pedintes, à espera de uma esmola?
Essa semana mesmo passamos por uma, eu e mais três pessoas. Traduzimos em conjunto um livro bem curto. Entregamos sete meses atrás. Até o momento em que escrevo essas linhas, ainda não recebemos o pagamento. Na verdade, entramos em contato com o editor. O que ele nos respondeu? Queria saber quanto era mesmo, porque ele, mil escusas, não lembrava. Dois mil reais apenas. Quinhentos reais para cada um. Considerando os sete meses de espera, mais os três meses de trabalho, é como se cada um recebesse a bolada de R$ 50 por mês.
Que maravilha, né?
Não é à toa que tanta gente anda desistindo. Cansa demais, faz mal pras costas e pro estômago e os remédios estão cada vez mais caros.
Meu PIX, inclusive, é meu e-mail, tá? daviboaventura@gmail.com
Um xêro,
Davi Boaventura
Basta fazer as contas e ver o tamanho do buraco: um autor que, digamos, receba R$ 2,50 por livro precisa vender 528 exemplares por mês, todos os meses, apenas para poder receber um salário-mínimo. Só que tem livros, e não são poucos, que a tiragem inteira é de 250 cópias.
Triste demais pra todos os envolvidos: autores e autoras, profissionais íntegros do mercado editorial e, principalmente, leitores e leitoras.
estou meio frustrado com tudo isso. meu próximo livro vou ficar tentando os concursos porque aí você recebe logo o valor do prêmio e não tem que ficar nesse sofrimento. as editoras sobem os preços dos livros por causa do "mercado", mas os 10% vergonhosos continuam iguais, fora todo esse amadorismo mencionado.