#22: O que Barbra Streisand ensina
Uma das atrizes mais geniais de todos os tempos mostra que olhar para si não precisa ser o único caminho possível
Barbra Streisand em foto de 1966. A imagem é de Bill Eppridge e foi roubada da CNN.
Outro dia li uma frase maravilhosa de Barbra Streisand: “eu deveria voltar à terapia, mas já não estou mais tão interessada em mim mesma”, e é claro que eu ri e repassei a frase para várias pessoas e a levei também para minha própria análise ─ alguém hoje consegue não se interessar por si mesmo? ─, até me dar conta do quanto estou obcecado por essa ideia e de como a encaro de maneira profundamente ambivalente: em luto pelo divórcio, não paro de pensar em mim mesmo, no que eu quero, no que eu gosto, no que me recuso ─ “quem sou eu e como posso me tornar essa pessoa?”; ao mesmo tempo, quanto mais olho pra dentro, mais quero olhar pra fora ─ um pouco por fuga, óbvio, mas também por tédio e curiosidade, uma vontade de se surpreender com as peculiaridades dos outros e não tanto com as minhas, que já conheço e com quem convivo há muitos anos.
Deve ser por isso que me encantei tanto com Moonage Daydream, um documentário sobre David Bowie que não é exatamente um documentário e sim uma espécie de ensaio visual expressionista misturando shows, entrevistas antigas e imagens aleatórias para mostrar sem muito compromisso factual como o cantor era um e era vários, às vezes tudo ao mesmo tempo, de um jeito que nem ele sabia dizer quem é que estava por trás da máscara, ou se havia de fato um Eu essencial e singular que coordenava o show, ou quiçá o começo de um personagem e o final de outro, quase como se ele fosse uma onda eletromagnética. É uma das melhores coisas que vi nos últimos tempos, uma aula (meio frenética) de criatividade, e olhe que nunca fui grande fã de David Bowie.
Minha missão na Terra já estará cumprida se eu conseguir convencer vocês a assistirem esse documentário.
Segue o trailer:
Esse documentário também me fez lembrar de um dos primeiros títulos em que trabalhei, Caos criativo ─ como ser criativo e resiliente em um mundo que gosta de arrumação (2019), de Tim Harford, uma parceria entre a Dublinense e a Belas Letras. É, grosso modo, um livro que fala da importância de se combinar planejamento e improvisação, embora, no fundo, também fale muito das questões excessivas de controle e sobre aceitação do outro ─ ou melhor, de como essa presença do outro provoca uma perturbação que pode ser muito benéfica para várias áreas da vida. Fiz a preparação desse texto, e acho que minha inexperiência na época não o deixou na melhor forma, mas é um livro que mexe muito comigo até hoje e volta e meia releio algumas páginas, pensando no quanto a gente se sabota, às vezes planejando até o ponto da asfixia, às vezes planejando tão pouco que a coisa vira um pandemônio.
Eu, se fosse você, comprava esse livro pela Estante Virtual agora mesmo.
E, enquanto o livro não chega nas vossas respectivas residências, quero recomendar ainda três newsletters para vocês acompanharem: After Babel, Escaping Flatland e Jornalzinho. As duas primeiras, ambas em inglês, foram indicações de Raisa Monteiro Capela ─ cuja newsletter, aliás, também vale a leitura. A outra, eu não me lembro muito bem como descobri. Se foi alguém que me sugeriu, perdoe. Não me leve a mal. Todas são ótimas leituras, principalmente porque conseguem abrir nossa cabeça em temas muito centrais do nosso dia a dia.
After Babel, na verdade, é uma extensão do livro A geração ansiosa, de Jonathan Haidt, um dos livros que mais tenho indicado nas últimas semanas e que trata sobre essa epidemia de saúde pública chamada celular ─ o único grande problema dos textos é pressupor que essa é uma questão que atinge mais os jovens; não é, estamos todos viciados e sem força para mudar qualquer coisa. Escaping Flatland, por sua vez, é uma espécie de blog pessoal de Henrik Karlsson, um ex-programador e ex-poeta sueco que virou escritor de ensaios. Um dos textos que mais gostei de ler é ESSE AQUI, que fala como mudar nosso círculo social influencia nossa própria personalidade. E o Jornalzinho é uma newsletter de Carolina Dini que trata, basicamente, sobre culinária. Mas também sobre nossa relação com a comida e até sobre a formação de comunidade. Os textos são fluidos e a periodicidade é bem tranquila de acompanhar. Fuçando no site de Carolina Dini, ainda descobri essa receita de molho de tomate feito com chocolate que me deu vontade até de morder a tela.
E é isso.
Hoje a dengoletter veio um pouco diferente, com mais indicações e menos resmungos reflexões. Talvez eu já não esteja mais tão interessado em mim. Ou talvez seja só uma fase, vai saber.
De todo modo, acho que Barbra Streisand1 está certíssima.
E será exaltada eternamente aqui neste guichê.
Xêro,
Davi B.
Também tem um filme absolutamente incrível com Barbra sendo exibido na MAX: Essa pequena é uma parada, de Peter Bogdanovich. Tinha tempo que eu não ria tanto vendo um filme. E Barbra, olha, é pura genialidade.
Eu amei e fiquei pensando nessa frase que você citou e me perguntando: será que é possível olhar para fora sem olhar para dentro?
Davi, fiquei bem curiosa com o livro que você citou. De muitas maneiras, me vejo como alguém que se asfixia com a própria dureza da rotina. E tenho dificuldade de lidar com o improviso, com o caos. 😰